quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Todo o Resto


Certo e errado são convenções que confirmam-se com meia dúzia de atitudes.
  Certo é ser gentil, respeitar os mais velhos, seguir uma dieta balanceada, dormir oito horas por dia, lembrar dos aniversários, trabalhar, estudar, casar e ter filhos, certo e morrer bem velho e com o dever cumprido. Errado é dar calote, rodar de ano, beber demais, fumar, se drogar, não programar um futuro decente, dar saltos sem rede. 
  Todo mundo de acordo? 
  Todo mundo teoricamente de acordo, porém a vida não e feita de teorias. E o resto? E tudo aquilo que a gente mal consegue verbalizar, de tão intenso? Desejos, impulsos, fantasias, emoções. Ora, meia dúzia de normas preestabelecidas não dão conta do recado.   Impossível enquadrar o que lateja, o que arde, o que grita dentro de nos.
 Somos maduros e ao mesmo tempo infantis, por trás do nosso auto controle há um desespero infernal. Possuímos uma criatividade insuspeita, inventamos musicas, amores e problemas. E somos curiosos, queremos espiar pela fechadura do mundo para descobrir o que não nos contaram. Todo o resto. 
  O amor é certo, o ódio é errado e o resto é uma montanha de outros sentimentos, uma solidão gigantesca, muita confusão, desassossego, saudades cortantes, necessidade de afeto e urgências sexuais que não se adaptam as regras do bom comportamento. 
  Há bilhetes guardados no fundo das gavetas que contariam outra versão da nossa historia, caso viessem a publico. Todo o resto e o que nos assombra, as escolhas não feitas, os beijos não dados, as decisões não tomadas, os mandamentos que não obedecemos, ou que obedecemos bem demais – a troco de que fomos tão bonzinhos? 
  Há o certo, o errado e aquilo que nos da medo, que nos atrai, que nos sufoca, que nos entorpece. O certo é ser magro, bonito, rico e educado. O errado é ser gordo, feio, pobre e analfabeto. E o resto nada tem a ver com estes reducionismos, e nossa fome por ideias novas, e nosso rosto que se transforma com o tempo, e nossas cicatrizes de estimação, nossos erros e desilusões.
  Todo o resto é muito vasto. E nossa porra-louquice, nossa ausência de certezas, nossos silêncios inquisidores, a pureza e inocência que nos mantém vivas dentro de nos mas que ninguém percebe, só porque crescemos. 
  A maturidade e um álibi frágil. Seguimos com uma alma de criança que finge saber direitinho tudo o que deve ser feito, mas que no fundo entende muito pouco sobre as engrenagens do mundo.  
  Todo o resto é tudo aquilo que ninguém aplaude e ninguém vaia, porque ninguém vê.


*todo o resto é a parte ñ programada e que faz a gente parecer mais HUMANO

Um comentário:

  1. Outro dia escrevi no meu blog que "somos todos fingidos fingindo não fingir". Eis neste teu post, maravilhosamente bem escrito, o porquê disso.

    Gugu Keller

    ResponderExcluir